quinta-feira, 22 de abril de 2010

163 - Tiradentes (a outra face)



Quando você ouve falar em Tiradentes, que imagem vem a sua mente? Provavelmente a de um sujeito com barba e cabelos longos e rosto sereno. Trocando a corda pela cruz, é o próprio Jesus. A imagem de mártir está tão colada ao mito de Tiradentes que é difícil imaginar um sem o outro. Só que nem sempre foi assim. A figura de santo surgiu um século após a morte do inconfidente. E pode ter pouco a ver com ele.
No episódio conhecido como Inconfidência Mineira, os rebeldes que conspiravam contra a Coroa portuguesa foram delatados, presos e julgados, em 1792. A maioria, formada por homens bem-nascidos, foi extraditada para outras colônias portuguesas. Apenas um, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, de origem humilde, foi enforcado e esquartejado. Por quase um século, mal se falou na Inconfidência e em Tiradentes. Ambos eram considerados apenas maus exemplos punidos com rigor.
No fim do século 19, com o país já independente, a situação começou a mudar. Intelectuais queriam instaurar uma república. E começaram a buscar na história brasileira alguém que pudesse representar os novos ideais.
Começou, assim, o culto a Tiradentes. Logo que a República foi proclamada, decretou-se o primeiro feriado: o Dia de Tiradentes, em 21 de abril, data da morte dele. Nesse dia, o Apostolado Positivista, associação brasileira dos afiliados ao positivismo, a corrente filosófica criada pelo francês Augusto Comte, distribuiu folhetos com a imagem do mártir desenhada por Décio Villares (artista responsável pelo desenho da bandeira nacional). Os cabelos e barba longos, a expressão ausente, as roupas, tudo lembrava Cristo. Nascia a imagem conhecida até hoje de Tiradentes. “Ela é fundamental para o estabelecimento do mito”, diz a historiadora da arte Maria Alice Milliet, autora de Tiradentes:o corpo do herói. Depois dessa, vieram muitas.
Ninguém sabe ao certo qual a aparência correta de Tiradentes. Como há poucos dados históricos, o terreno para a especulação é grande. Mas por que não retratar outros aspectos do herói, como o lado militar? Para Maria Alice, vestiram-no de santo por algumas razões. Em primeiro lugar, havia a tradição profundamente religiosa da sociedade brasileira. Em segundo, a influência do positivismo entre os republicanos, doutrina que preferia transições lentas a rupturas bruscas. Aliás, como foram, sempre, as transições brasileiras: a Independência e a República foram proclamadas sem sangrentas batalhas. “Retratar o herói armado, exaltar o rebelde ou o militar iria contra essa índole pacífica.”
A imagem serviu bem ao propósito. Mesmo muito depois da proclamação da República, os artistas con­tinua ram preferindo o santo. O governo brasi leiro usou o mito para fortalecer a identidade nacional muitas vezes, de Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas a Itamar Franco – este, por exemplo, falava na TV com um busto do alferes ao fundo.

Outras faces


Muitos outros artistas pintaram Tiradentes, ajudando a formar e a popularizar a cara do mito
Prisão de Tiradentes

Pintado em 1914 por Antônio Parreiras, é o único quadro que mostra Tiradentes valente. Não à toa, foi encomendado pelo governo do Rio Grande do Sul, estado mais belicoso. Armado, enfrenta os policiais que querem prendê-lo.
Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”


De José Wasth Rodrigues (1940), retrata o herói antes da prisão, vestido com a roupa de militar, sem a barba e os cabelos compridos. Na criação do mito, o lado militar seria deixado de lado em favor do aspecto de mártir.
Tiradentes Esquartejado


Um dos quadros mais conhecidos do herói mineiro, feito em 1893 por Pedro Américo, mostra o tronco esquartejado, a cabeça e a perna esquerda. Apesar da crueza, ele ainda é tratado com certo distanciamento, como o corpo sem feridas.
Painel Tiradentes


No imenso painel que fez para retratar a Inconfidência, Candido Portinari, partidário do comunismo, retrata o mineiro em vários momentos, da juventude na cavalaria ao homem barbado e grisalho – parecido com o comunista Luís Carlos Prestes.

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